Carta da Saúde

Notícias do SUS Campinas

Editorial

“É preciso ficar a espreita de encontros intensivos que, cooperando num plano de consistência, tornem possível extrair uma vida da vida cronometrada…”. Enquanto passava os olhos no artigo do professor Orlandi, “A Respeito de Confiança e Desconfiança”, publicado no livro lançado recentemente pela ed. Hucitec, intitulado Semiótica, Afecção e Saúde, me deparei com esta observação que me conduziu a algumas aproximações com o material que tínhamos em mãos para a publicação da 11ª edição da Carta. Nós, profissionais de saúde, só temos condições de sobreviver aos estabelecimentos e instituições de saúde, onde permanecemos durante toda nossa vida produtiva, trabalhando entre 6, 8 ou até 12hs diárias lidando com a “vida nua”, se ficarmos a espreita. Se não vislumbrarmos possibilidades de criação, de invenção e reinvenção do nosso cotidiano, fatalmente nos tornaremos doentes e aprisionados à vida cronometrada, sem condições de praticar o auto- cuidado, e o cuidado aos nossos pacientes, clientes, usuários, como queiram. Muito menos pretender para nós mesmos e para o outro a tão proclamada autonomia. Mas qual é a mágica necessária para reinventar, ou inventar a ‘cada dia’ o que parece ser nossa trivial existência? Como dos encontros, extrair “uma vida da vida cronometrada”? Podemos começar, por exemplo, interrogando o cotidiano a partir das necessidades e dificuldades gestadas nas práticas, abraçar o imprevisto, manter acesa a chama da curiosidade, criar dispositivos que propiciem outras relações, outras convergências, devires, conexões, alianças. A realidade do trabalho em saúde é complexa, composta de luzes e sombras, de contradições, de simetrias e assimetrias, de ordenamentos e desordens. Como trabalhadores que pretendemos como alguns  “cuidar da preservação da vida”, cuidar da saúde, ou como outros, curar, temos que perder o medo da vida, encarna-la, amar a razão e a desrazão, a coerência e a incoerência, duvidar das transparências, do óbvio, não nos iludirmos com as profundidades, com o oculto, aprendermos a pele e suas dobras. Proceder por raspagens, raspar as superfícies pelo amor ao belo e às singularidades. Inventar, experimentar! O espaço fica aberto para outras considerações. Voltando ao  professor Orlandi, que aqui tomo como um intercessor:  “… Assim ‘acreditar no mundo’ vem a ser, ‘principalmente, suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapam ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos’. Porque, ‘é no nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. Necessita-se, ao mesmo tempo, de criação e povo, salientando-se que esse e entre criação e povo é o da consistente co-presença intensiva e não o da organizatória relação extensiva entre chefes e subordinados”.

E o que quer a Carta da Saúde? A instituição pública que tem como princípio a transparência, a publicização no sentido de dar publicidade, de tornar público, é paradoxalmente uma máquina de produção de invisibilidade, portanto, queremos tornar visíveis os saberes da experiência. Que este espaço seja de comunicação, de promoção “da obra” realizada todos os dias pelos trabalhadores do SUS Campinas.

Queremos que este espaço possa promover e divulgar os saberes/conhecimentos produzidos e adquiridos pelos nossos trabalhadores, nos diferentes espaços de nossa rede, neste vasto campo que é a saúde coletiva.

Escreva sobre o trabalho que realizam, suas reflexões, dúvidas e compartilhem com os colegas suas experiências.

Um pouco de poesia

Livro sobre o Nada
Manoel de Barros

IX
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de
um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
Boa Leitura!

Quem somos:

. Núcleo de Comunicação: Adriane Pianowski, Bete Zuza, Cecília Veiga, Eli Fernandes, Fernanda Borges e Marcos Botelho – comunica.smscampinas@gmail.com – DÊ SUA OPINIÃO!

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2 thoughts on “Editorial

  1. Maria Filomena de Gouveia Vilela on said:

    êta turminha boa essa do Núcleo de Comunicação! Além de produzir um material bonito e bacana ainda nos põe a refletir sobre a nossa prática. Depois da poesia do Manoel de Barros fica dificil falar qualquer coisa, mas lendo o texto do editorial, me lembrei de umas palavrinhas que escrevi lá pelos idos de 2002 e resolvi compartilhar de novo.
    Grande beijo
    Mena

    QUERER SAÚDE

    Abrir janelas e portas
    deixar a vida entrar
    deixar entrar o choro
    as feridas dos meninos
    as lembranças dos velhos
    a emoção contida das mulheres
    a dor surda dos homens
    a dureza da cidade
    a beleza escondida
    nos recantos;
    a frágil vida nos faz fortes
    bailarinos dessa dança
    às vezes sem nexo,
    estridente música
    entoada quando se quer
    bonança, calmaria.
    A vida clama, a morte ronda
    todos tem pressa
    pouca conversa;
    abrir portas e janelas
    deixar a vida entrar
    acolher, vincular
    decidir, resolver
    é o que se quer…
    como fazer?
    dividir, compartilhar
    e somar…
    deixar a vida entrar
    é não ter medo de morrer
    de rir….

    Mena, 14/08/02

  2. Liana Colaço on said:

    Sou usuária do SUS, amei a matéria e é bom incentivo para que todos venham aprender,partilhar e juntos fazerem cada dia melhor, isto é para o trabalhador e para nós usuários, termos uma boa convivência com eles, sabermos que estão trabalhando com a certeza de que ao fim do dia a missão foi cumprida. Um abraço pela bela iniciativa.

    Liana

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